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  Ora, lendo nós muitas vezes e meditando attentamente esta producção divina, sempre nos pareceo que em alguns lugares não estava como seu autor a havia originalmente escrito; e agora achamos confirmada nossa suspeita. Porque, estando ja concluida esta nossa edição, como obtivessemos um exemplar da de 1613 commentada pelo Licenciado Manoel Correa, contemporaneo e amigo do poeta, ahi encontrámos na exposição á Estancia 81 do Canto 9º a seguinte revelação: Se o poeta (diz elle) se não alargára em algumas palavras, que poderia escusar, o fingimento, este he poetico e excellente, como são todas suas cousas. Por isso se lhe emendárão e declarárão algumas Oitavas. E no mesmo Canto, Estancia 71: E assim como aqui vão impressas, as tinha elle emendadas por conselho dos Religiosos de S. Domingos, com quem tinha grande familiaridade. E aqui temos que o Poema achou embaraço na censura da Inquisição, e que para poder passar, foi preciso que seu autor por conselho dos frades de S. Domingos, isto he, por ordem dos mesmos Inquisidores lhe fizesse as alterações e emendas por elles exigidas. E portanto he fóra de toda a duvida que a explicação da allegoria delle posta na boca de Tethys, e o dizer ella mesma (Canto X, Estancia 82):
          Porque eu, Saturno e Jano,
Jupiter, Juno, somos fabulosos,
Fingidos de mortal e cego engano;
a historia do milagre e martirio do Apostolo S. Thomé (Estancias 108 e seguintes do mesmo Canto); e Baccho adorando a Christo (Canto II, Estancia 12) são obra{LVI}