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ORIGEM DAS ESPÉCIES

dizer-se, estritamente falando, que o ácido escolhesse a base com a qual se combina de preferência. Diz-se que falo da selecção natural como de uma potência activa ou divina; mas quem critica um autor quando fala da atracção ou gravitação, como regendo o movimento dos planetas? Todos sabem o que significam, o que querem exprimir estas expressões metafóricas necessárias à clareza da discussão. É também muito difícil evitar personificar o nome natureza; mas, por natureza, entendo somente a acção combinada e os resultados complexos de um grande número de leis naturais; e, por leis, a série de factos que temos reconhecido. No fim de algum tempo ser-nos-ão familiares estes termos e esqueceremos estas críticas inúteis.

Compreenderemos melhor a aplicação da lei da selecção natural tomando para exemplo um país submetido a quaisquer ligeiras alterações físicas, uma alteração climatérica, por exemplo. O número proporcional dos seus habitantes muda quase imediatamente também, e é provável que algumas espécies se extingam. Podemos concluir do que temos visto relativamente às relações complexas e últimas que ligam entre si os habitan tes de cada país, que toda a alteração na proporção numérica dos indivíduos de uma espécie afecta sèriamente todas as outras espécies, sem falar na influência exercida pelas modificações do clima. Se este país está aberto, novas formas aí penetram certamente, e esta emigração tende ainda a alterar as relações mútuas de seus antigos habitantes. Lembremo-nos, a este respeito, qual tem sido sempre a influência da introdução de uma só árvore ou de um mamífero num país. Mas se se trata de uma ilha, ou de um país rodeado de barreiras intransitáveis, na qual, por consequência, novas formas melhor adaptadas às modificações do clima não podem penetrar fàcilmente, encontra-se então, na economia da natureza, qualquer lugar que seria melhor preenchido se alguns dos habitantes originais se modificassem de uma maneira ou de outra, pois que, se o país estava aberto, estes lugares seriam ocupados pelos emigrantes. Neste caso, ligeiras modificações, favoráveis em qualquer grau que seja aos indivíduos de uma espécie, adaptando-as melhor a novas condições ambientes, tenderiam a perpetuar-se, e a selecção natural teria assim materiais disponíveis para começar a sua obra de aperfeiçoamento.

Temos boas razões para acreditar, como o demonstrámos no primeiro capítulo, que as alterações das condições de existência tendem a aumentar a faculdade à variabilidade. Nos casos que acabamos de citar, tendo mudado as condições de existência, o terreno é então favorável à selecção natural, porque oferece