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ORIGEM DAS ESPÉCIES

O homem reúne num mesmo país as espécies provindo de muitos climas diferentes; exercita raramente de uma forma especial e conveniente os caracteres que escolheu; dá a mesma nutrição aos pombos de bico longo e aos pombos de bico curto; não exercita de maneira diferente o quadrúpede de longas patas e o de patas curtas; expõe às mesmas influências climatéricas os carneiros de lã comprida e os de lã curta. Não permite aos machos mais vigorosos lutar pela posse das fêmeas. Não destrói rigorosamente todos os indivíduos inferiores; protege, ao contrário, cada um deles, tanto quanto pode, durante todas as estações. Muitas vezes começa a selecção escolhendo algumas formas semimonstruosas, ou, pelo menos, prendendo-se a qualquer modificação assaz aparente para atrair a sua atenção ou para lhe ser imediatamente útil. No estado de natureza, ao contrário, a menor diferença de conformação ou de constituição pode bastar para fazer pender a balança na luta pela existência e perpetuar-se assim. Os desejos e os esforços do homem são tão vários! a sua vida é tão curta! Como devem ser também imperfeitos os resultados que ele obtém quando os compara àqueles que a natureza pode acumular durante longos períodos geológicos! Podemos nós admirar-nos então que os caracteres das produções da natureza sejam muito mais nítidos do que os das raças domésticas do homem? Que de extraordinário pode haver em que estas produções naturais sejam infinitamente melhor adaptadas às condições complexas da existência, e que tragam contudo o selo de uma obra muito mais completa?

Pode dizer-se, metafòricamente, que a selecção natural procura, a cada instante e em todo o mundo, as variações mais ligeiras; repele as que são nocivas, conserva e acumula as que são úteis; trabalha em silêncio, insensivelmente, por toda a parte e sempre, desde que a ocasião se apresente para melhorar todos os seres organizados relativamente às suas condições de existência orgânicas e inorgânicas. Estas transformações lentas e progressivas escapam-nos até que, no decorrer das idades, a mão do tempo as tenha marcado com o seu sinete e então damos tão pouca conta dos longos períodos geológicos decorridos, que nos contentamos em dizer que as formas viventes são hoje diferentes do que foram outrora.

Para que modificações importantes se produzam numa espécie, é necessário que uma variedade, uma vez formada, apresente de novo, depois de longos séculos talvez, diferenças individuais entregando à natureza útil aquelas que se têm apresentado de princípio; é necessário, por outra parte, que estas diferenças se conservem e se renovem ainda. Diferenças individuais da