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ORIGEM DAS ESPÉCIES

são da forma ordinária. Mas, se é preciso julgar pelo que se passa nos animais no estado de domesticidade, não se pode duvidar tão-pouco que, se se escolheu, durante muitas gerações, um grande número de indivíduos tendo o bico mais ou menos recurvado, e se se destruiu um maior número ainda de indivíduos tendo o bico o mais direito possível, os primeiros não se multiplicam fàcilmente.

Todavia, é necessário não esquecer que certas variações perfeitamente acentuadas, que ninguém pensaria em classificar como simples diferenças individuais, se apresentam muitas vezes, porquanto condições análogas actuam sobre organismos análogos; as nossas produções domésticas oferecem-nos numerosos exemplos deste facto. Neste caso, se o indivíduo que variou não transmite exactamente aos filhos os seus caracteres novamente adquiridos, menos lhes transmite por muito tempo, contanto que as condições fiquem as mesmas, uma grande tendência a variar da mesma forma. Não se pode duvidar tão-pouco que a tendência para variar na mesma direcção tenha sido outrora tão poderosa, que todos os indivíduos da mesma espécie se modificassem da mesma maneira, sem o auxílio de qualquer espécie de selecção. Poderiam, em todos os casos, citar-se muitos exemplos de um terço, de um quinto ou mesmo de um décimo dos indivíduos que foram afectados desta forma. Assim, Graba julga que, nas ilhas de Feroé, um quinto pouco mais ou menos de Guillemots se compõe de uma variedade tão bem definida, que se classificou outrora como uma espécie distinta, com o nome de Uria lacrymans. Sendo isto assim, se a variação é vantajosa ao animal, a forma modificada deve suplantar bem depressa a forma original, em virtude da sobrevivência do mais apto.

Terei de voltar aos efeitos dos cruzamentos do ponto de vista da eliminação das variações de toda a espécie; algumas vezes posso fazer observar aqui que a maior parte dos animais e das plantas tendem a conservar o mesmo habitat se não a afastam sem razão; poderia citar, como exemplo, as próprias aves de arribação, que, quase sempre, voltam a habitar a mesma localidade. Por consequência, toda a variedade de formação nova seria ordinàriamente local no princípio, o que parece, aliás, ser regra geral para as variedades no estado da natureza; de tal modo que os indivíduos modificados de maneira análoga devem formar em breve um pequeno grupo e tender a reproduzir-se fàcilmente. Se a nova variedade é bem sucedida na luta pela existência, propaga-se lentamente em torno de um ponto central; luta constantemente com os indivíduos que não tenham