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DIFICULDADES DA TEORIA
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letas admiràvelmente coloridas, adquiriram a beleza pela sua própria beleza; mas obteve-se este resultado pela selecção sexual, isto é, porque as fêmeas escolheram continuamente os mais belos machos; este embelezamento não teve, pois, por objecto o ser agradável ao homem. Poder-se-iam fazer as mesmas referências relativamente ao canto das aves. Lícito nos é concluir, de tudo o que precede, que uma grande parte do reino animal possui pouco mais ou menos o mesmo gosto para as belas cores e para a música. Quando a fêmea é tão brilhantemente colorida como o macho, o que é raro nas aves e nas borboletas, isto parece resultar de que as cores adquiridas pela selecção sexual foram transmitidas aos dois sexos em lugar de ser sòmente aos machos. Como é que o sentimento da beleza, na forma mais simples, isto é, a sensação de prazer particular que inspiram certas cores, certas formas e certos sons, foi primitivamente desenvolvido no homem e nos animais inferiores? É um ponto muito obscuro. Encontramo-nos, além disso, nas mesmas dificuldades se quisermos explicar como certos sabores e certos perfumes nos impressionam admiràvelmente, enquanto que outros nos causam uma aversão geral. Em todos estes casos, o hábito parece ter desempenhado um certo papel; mas èstas sensações devem ter algumas causas fundamentais na constituição do sistema nervoso de cada espécie.

A selecção natural não pode, de maneira alguma, produzir modificações numa espécie com o fim exclusivo de assegurar uma vantagem a uma outra espécie, ainda que, na natureza, uma espécie procura incessantemente tirar vantagem ou aproveitar-se da conformação das outras. Mas a selecção natural pode muitas vezes produzir — e nós temos numerosas provas de que ela o faz — conformações directamente prejudiciais a outros animais, tais como os ganchos da víbora e o ovopositor do icnêumon, que lhe permite depositar os ovos no corpo de outros insectos vivos. Se se conseguisse provar que uma parte qualquer da conformação de uma dada espécie foi formada com o fim exclusivo de procurar certas vantagens a outra espécie, seria a ruína da minha teoria; estas partes, com efeito, não poderiam ser produzidas pela selecção natural. Ora, posto que nas obras sobre a história natural se citem numerosos exemplos para este efeito, não pude encontrar um único que me parecesse ter algum valor. Admite-se que a cobra cascavel está armada de ganchos venenosos para a sua própria defesa e para destruir a sua presa: mas alguns escritores supõem ao mesmo tempo que esta serpente está provida de um aparelho sonoro que, advertindo a sua presa, lhe causa um prejuízo. Acreditaria isto de tão bom