Página:Origem das espécies (Lello & Irmão).pdf/216

190
ORIGEM DAS ESPÉCIES

grado como que o gato recurva a extremidade da cauda, quando se prepara para saltar, com o único fim de advertir o rato que deseja apanhar. A explicação mais provável é que a serpente cascavel agita o aparelho sonoro, como a cobra enche o papo, a vibora se tumefaz, no momento em que emite o silvo tão duro e tão violento, com o fim de assustar as aves e os animais selvagens que atacam mesmo as espécies mais venenosas. As serpentes, numa palavra, operam em virtude da mesma causa que faz a galinha erriçar as penas e estender as asas quando um cão se aproxima dos pintainhos. Mas falta-me o espaço para entrar em mais minudências sobre os numerosos meios que empregam os animais para tentar intimidar os seus inimigos.

A selecção natural não pode determinar num indivíduo uma conformação que lhe seja mais nociva do que útil, porque sòmente pode actuar por e para seu bem. Como Paley o fez notar, órgão algum se forma com o fim de causar uma dor ou um prejuízo ao seu possuidor. Se se estabelece justamente a balança do bem e do mal causados por cada parte, aperceber-se-á que por fim cada uma delas é vantajosa. Se, no decorrer dos tempos, nas condições de novas existências, uma parte qualquer se torna nociva, modifica-se; se assim não for, o ser extingue-se, como tantos milhões de outros seres se extinguiram antes dele.

A selecção natural tende sòmente a tornar cada ser organizado tão perfeito, ou um pouco mais perfeito, que os outros habitantes do mesmo país com os quais se encontra em concorrência. É isto, sem refutação, o cúmulo da perfeição que se pode produzir no estado de natureza. As produções indígenas da Nova Zelândia, por exemplo, são perfeitas se as compararmos entre si, mas cedem hoje o terreno e desaparecem ràpidamente ante as legiões invasoras de plantas e de animais importados da Europa. A selecção natural não produz a perfeição absoluta; tanto quanto o podemos julgar, além de que não é no estado da natureza que nós encontramos estes altos graus. Segundo Müller, a correlação para a aberração da luz não é perfeita, mesmo no mais perfeito de todos os órgãos, o olho humano. Helmholtz, de que ninguém pode contestar o critério, depois de ter descrito nos termos mais entusiastas o maravilhoso poder do olho humano, junta estas singulares palavras: «O que temos descoberto de inexacto e de imperfeito na máquina óptica e na produção da imagem sobre a retina não é nada comparativamente com as fantasias que encontramos no domínio da sensação. Pareceria que a natureza tivera prazer em acumular as contradições para tirar todo o fundamento à teoria