Página:Origem das espécies (Lello & Irmão).pdf/252

226
ORIGEM DAS ESPÉCIES

Vamos às plantas trepadoras. Podem classificar-se numa longa série, desde as que se enrolam simplesmente em volta de um suporte, até às que tenho chamado de folhas trepadoras e providas de gavinhas. Nestas últimas duas classes, as hastes têm geralmente, mas nem sempre, perdido a faculdade de se enrolar, posto que conservem a da rotação, que possuem igualmente as gavinhas. As gradações insensíveis ligam as plantas de folhas trepadoras com as providas de gavinhas, e certas plantas podem ser colocadas indiferentemente numa ou noutra classe. Mas, se se passa de simples plantas que se enrolam às providas de gavinhas, uma qualidade importante aparece, é a sensibilidade ao toque, que provoca, ao contacto de um objecto, nas hastes das folhas ou das flores, nas suas modificações em gavinhas, os movimentos com o fim de rodeá-lo e apanhá-lo. Depois de ter lido a minha memória sobre estas plantas, admitir-se-á, creio eu, que as numerosas gradações de função e de estrutura, existindo nas plantas que apenas se enrolam e as de gavinhas são, em cada caso, muito vantajosas para a espécie. Por exemplo, deve haver toda a vantagem para uma planta trepadora tornar-se numa planta de folhas trepadoras, e é provável que cada uma delas, sustentando folhas de longas hastes, se desenvolvesse numa planta de folhas trepadoras se os pecíolos das folhas apresentassem, ainda que pouco, a sensibilidade requerida para responder à acção do tacto.

Constituindo o enrolamento o modo mais simples de subir por um suporte e formando a base da nossa série, pode naturalmente perguntar-se como puderam adquirir as plantas esta aptidão nascente, que mais tarde a selecção natural aperfeiçoou e aumentou. A aptidão de enrolar-se depende a princípio da flexibilidade excessiva dos novos caules (carácter comum a muitas plantas que não são trepadoras); depende, em seguida, de que estes caules se torcem constantemente para se dirigirem em todas as direcções, sucessivamente numa e depois noutra, na mesma ordem. Este movimento tem como resultado a inclinação dos caules para todos os lados e determina neles uma rotação seguida. Desde que a porção inferior do caule encontra um obstáculo que o impede, a parte superior continua a torcer-se e a voltar-se, e enrola-se necessàriamente também subindo em volta do suporte. O movimento rotatório cessa depois do crescimento precoce de cada rebento. Esta aptidão para a rotação e a faculdade de subir que é a consequência disso, encontrando-se isoladamente nas espécies e nos géneros distintos, que pertencem a famílias de plantas muito afastadas umas das outras, deve ter sido adquirida de uma maneira independente, e não