Página:Origem das espécies (Lello & Irmão).pdf/268

242
ORIGEM DAS ESPÉCIES

um período bem mais curto, e em condições ambientes bem menos fixas.

Os cruzamentos entre diversas raças de cães provam até que ponto os instintos, os hábitos e o carácter adquiridos na domesticidade são hereditários e que singular mistura daí resulta, Assim, sabe-se que o cruzamento com um buldogue tem influído, durante muitas gerações, na coragem e tenacidade do galgo; o cruzamento com um galgo comunica a uma família inteira de cães de pastor a tendência a caçar a lebre. Os instintos domésticos submetidos assim à prova do cruzamento assemelham-se aos instintos naturais, que se confundem também de uma maneira curiosa, e persistem durante muito tempo na linha de descendência; Le Roy, por exemplo, fala de um cão que tinha um lobo por bisavô; notava-se nele um traço apenas do seu parentesco selvagem; não vinha em linha recta para junto do dono quando este o chamava.

Tem-se dito muitas vezes que os instintos domésticos são apenas disposições tornadas hereditárias em seguida a hábitos impostos e muito tempo sustentados; isto, porém, não é exacto. Ninguém pensou jamais, e provàvelmente ninguém jamais alcançou ensinar a um pombo a dar uma cambalhota, acto que tenho visto executar a borrachos que nunca viram um pombo cambalhota. Podemos acreditar que um indivíduo tenha sido dotado de uma tendência a tomar este estranho hábito e que, pela selecção contínua dos melhores cambalhotas em cada geração sucessiva, esta tendência se desenvolvesse para chegar ao ponto em que se encontra hoje. Os cambalhotas das cercanias de Glásgua, pelo que me diz M. Brent, chegaram a não poder elevar-se 18 polegadas acima do solo sem fazer a cambalhota. Pode pôr-se em dúvida que se tenha jamais pensado em dirigir os cães a fazer a espera, se um desses animais não houvesse mostrado naturalmente uma tendência a fazê-lo; sabe-se que esta tendência se apresenta naturalmente, e eu tive mesmo ocasião de a observar num coelheiro de raça pura. O acto de fazer a espera é provàvelmente um simples exagero de curta duração que faz o animal que se arrasta para se lançar sobre a presa. Manifestada a tendência à espera pela primeira vez, a selecção metódica, junta aos efeitos hereditários de uma adestração severa em cada geração sucessiva, devia completar ràpidamente este trabalho; a selecção inconsciente concorre, além disso, sempre para este resultado, porque, sem se preocupar de outra maneira do aperfeiçoamento da raça, cada um trata naturalmente de procurar os cães que melhor caçam e que, por conseguinte, melhor fazem uma espera. O hábito pode, por outra