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INSTINTO
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qualquer outra causa, ser vantajoso à ave adulta, ou que o instinto enganado de uma outra espécie houvesse assegurado ao pequeno cuco melhores cuidados, e maior vigor do que se tivesse sido cuidado por sua própria mãe, obrigada a ocupar-se ao mesmo tempo dos seus ovos e dos filhos tendo todos uma idade diferente, teria resultado vantagem tanto para a ave adulta como para a nova ave. A analogia conduz-nos a acreditar que os filhos assim tratados podem herdar o hábito acidental e anormal da mãe, fazer a postura dos ovos noutros ninhos, e assim cuidar melhor da sua prole. Julgo que este hábito, por muito tempo continuado, terminou por tornar bizarro o instinto do cuco. Adolfo Müller verificou recentemente, que o cuco põe por vezes os ovos no solo nu, choca-os, e nutre os filhos; este facto estranho e raro parece, evidentemente, ser um caso de regressão ao instinto primitivo de nidificação, de há muito perdido.

Tem-se objectado que eu não observava no cuco outros instintos correlativos e outras adaptações de estrutura de modo a considerá-lo como estando em coordenação necessária. Não tendo, até ao presente, nenhum facto para nos guiar, toda a especulação a respeito de um instinto conhecido somente numa única espécie seria inútil. Os instintos do cuco europeu e do cuco americano não parasita eram, até muito recentemente, os únicos conhecidos; mas actualmente temos, graças às observações de M. Ramsay, algumas minúcias sobre três espécies australianas, que fazem a postura igualmente nos ninhos de outras aves. Três pontos principais há a considerar no instinto do cuco: — em primeiro lugar, que, com raras excepções, o cuco não põe mais que um ovo num ninho, de maneira que o filho, grande e voraz, que deve nascer, receba uma nutrição abundante; — em segundo lugar, que os ovos são notàvelmente pequenos, quase como os da calhandra, ave bem mais pequena que o cuco. O cuco americano não parasita põe os ovos do tamanho normal; podemos, pois, concluir que estas pequenas dimensões do ovo são um verdadeiro caso de adaptação; — em terceiro lugar, pouco depois do nascimento, o novo cuco tem o instinto, a força e uma conformação do dorso que lhe permitem expulsar do ninho seus irmãos, que morrem de fome e de frio. Tem-se até sustentado que este facto era uma sábia e benfazeja disposição, que, assegurando assim uma nutrição abundante ao novo cuco, provocava a morte dos seus irmãos antes que tivessem adquirido muita sensibilidade!

Passemos às espécies australianas. Estas aves não põem geralmente mais que um ovo no mesmo ninho; não é raro, con-