Página:Origem das espécies (Lello & Irmão).pdf/290

264
ORIGEM DAS ESPÉCIES

gos, observando cuidadosamente que indivíduos, touros ou vacas, produzam, pela cópula, bois de pontas muito grandes, se bem que nenhum boi possa jamais propagar a sua espécie. Eis aqui, além disso, um excelente exemplo: segundo M. Verlot, algumas variedades do goivo anual duplo, tendo sido muito tempo submetidas a uma selecção conveniente, dão sempre, por semente, uma grande proporção de plantas tendo flores duplas e inteiramente estereis, mas também algumas flores simples e fecundas. Somente estas últimas flores asseguram a propagação da variedade, e podem comparar-se às formigas fecundas machos e fêmeas, enquanto que as flores duplas e estéreis podem comparar-se às formigas neutras da mesma comunidade. Da mesma forma que entre as variedades do goivo, a selecção, entre os insectos vivendo em sociedade, exerce a sua acção, não sobre o indivíduo, mas na família, para atingir um resultado vantajoso. Podemos, pois, concluir que ligeiras modificações de estrutura ou de instinto, em correlação com a esterilidade de certos membros da colónia, são vantajosas para si mesmas; por conseguinte, os machos e as fêmeas fecundas prosperaram e transmitiram à sua progenitura fecunda a mesma tendência em produzir membros estéreis apresentando as mesmas modificações. E devido à repetição deste mesmo processo que pouco a pouco se foi acumulando a prodigiosa diferença que existe entre as fêmeas estéreis e as fêmeas fecundas da mesma espécie, diferença que notamos em tantos insectos vivendo em sociedade.

Resta-nos tratar do ponto mais difícil, isto é, o facto de os neutros, nas diversas espécies de formigas, diferirem não somente dos machos e das fêmeas fecundas, mas ainda uns dos outros, ainda que por vezes num grau tão diminuto, e a ponto de formarem duas ou três castas. Estas castas não se confundem umas com as outras, mas são perfeitamente definidas, porque são tão distintas entre si que tanto podem ser duas espécies do mesmo género, como dois géneros da mesma família. Assim, nos Eciton, há neutras obreiras e soldados, de que as maxilas e os instintos diferem extraordinàriamente; nos Cryptoceros, as obreiras de uma casta têm na cabeça um curioso escudo, cujo uso é ainda desconhecido; nos Myrmecocytus do México, as obreiras de uma casta jamais abandonam o ninho; são nutridas pelas obreiras de uma outra casta, e têm um abdómen enormemente desenvolvido, que segrega uma espécie de mel, suprindo o que fornecem os zângãos que as nossas formigas europeias conservam em cativeiro, e que se poderiam considerar como constituindo para elas um verdadeiro gado doméstico.

Acusar-me-ão de ter uma confiança presuntiva no princípio