Página:Origem das espécies (Lello & Irmão).pdf/304

278
ORIGEM DAS ESPÉCIES

As condições desfavoráveis afectam mais fàcilmente a fecundidade, tanto dos primeiros cruzamentos como dos híbridos, do que a das espécies puras. Mas o grau de fecundidade dos primeiros cruzamentos é igualmente variável em virtude de uma disposição inata, porque esta fecundidade nem sempre é igual em todos os indivíduos das mesmas espécies, cruzadas nas mesmas condições; parece depender em parte da constituição dos individuos que foram escolhidos para a experiência. O mesmo se dá com os híbridos, porque a fecundidade varia algumas vezes muito entre os diversos indivíduos provenientes das sementes contidas na mesma cápsula, e expostas às mesmas condições. Entende-se, pelo termo de afinidade sistemática, as semelhanças que as espécies têm umas com as outras com relação à estrutura e constituição. Ora esta afinidade regula muitíssimo a fecundidade dos primeiros cruzamentos e a dos híbridos que dela provêm. É o que prova claramente o facto de jamais se poder obter híbridos entre espécies classificadas em famílias distintas, enquanto que, por outro lado, as espécies muito próximas podem, em geral, cruzar-se fàcilmente. Todavia, a relação entre a afinidade sistemática e a facilidade de cruzamento não é de nenhuma maneira rigorosa. Poder-se-ão citar numerosos exemplos de espécies muito próximas que recusam cruzar-se ou que o fazem apenas com extrema dificuldade, e casos de espécies muito distintas que, ao contrário, se unem com uma grande facilidade. Pode, numa mesma familia, encontrar-se um género, como o Dianthus por exemplo, no qual um grande número de espécies se entrecruzam fàcilmente, e um outro género, tal como o Silene, no qual, apesar dos esforços mais perseverantes, não houve possibilidade de se obter o menor híbrido em espécies extremamente próximas. Encontramos estas mesmas diferenças nos limites de um mesmo género; têm-se, por exemplo, cruzado numerosas espécies do género Nicotiniana muito mais que as espécies de qualquer outro género; contudo, Gärtner verificou que a Nicotiniana acuminata, que, como espécie, nada tem de extraordinàriamente particular, não pode fecundar oito outras espécies de Nicotiniana, nem ser fecundada por elas. Podia citar muitos casos análogos.

Ninguém pôde ainda indicar qual é a natureza ou grau de diferenças apreciáveis que bastem para impedir o cruzamento das duas espécies. Pode demonstrar-se que plantas muito diferentes pelo seu aspecto geral e pelos seus hábitos, e apresentando dessemelhanças muito notáveis em todas as partes da flor, mesmo no pólen, no fruto e nos cotilédones, podem ser cruzadas conjuntamente. Podemos muitas vezes cruzar facil-