Página:Os Fidalgos da Casa Mourisca (I e II).pdf/124

-124-

Quando expiraram as ultimas notas do canto, Jorge levantou-se.

Era tarde já e mais que tempo de dar por concluida a conferencia; mas n'este movimento de Jorge actuára uma outra ideia.

Elle proprio estranhava o que ia na sua alma n'aquelle momento. Revoltava-se contra si mesmo, porque se sentia fraco perante os artificios de uma mulher, contra a qual devia estar precavido; Jorge suppunha-se persuadido de que Bertha aproveitára de proposito o ensejo de fazer-se ouvir e de mostrar os encantos da sua voz agradavel e sonora; tactica vaidosa que muito escandalisava o caracter sisudo do rapaz. Mas o peior era dizer-lhe a consciencia que, mau grado seu, a tactica tivera effeito. A prevenção hostil, de que á força queria armar-se, não era talisman bastante forte para o livrar de encantamento.

Isto principalmente o indignava, sem a si proprio o confessar. Sentia-se sob o influxo de uma magia, que pensava funesta, mas, como succede quando em sonhos procuramos fugir a um perigo que nos persegue, annullava-se o esforço que fazia para quebral-o, e a seu pezar permanecia no perigo.

Desconhecia-se, sentia uma turbação indefinivel, parecia-lhe que o ar livre lhe seria salutar. Por isso levantou-se e sahiu. Ao passarem em um corredor, que conduzia para o exterior da casa, abriu-se a porta de um quarto, meio alumiado por a froixa luz de uma lamparina, que ardia junto do berço de uma criança, e por o espaço entreaberto appareceu a figura de Bertha, com o cabello já meio despenteado e solto, e tendo nos labios o mais suave e affectuoso sorriso.

—Boa noite, snr. Jorge—disse ella, estendendo-lhe a mão, com uma expressão de voz cheia de cordial franqueza.

Jorge estremeceu áquella vista inesperada, mas, dominando-se, correspondeu ao cumprimento, apertando-lhe a mão:

—Adeus; boa noite, Bertha.

—Então o pequeno já dorme?—perguntou Thomé