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—Julgo que dormia.

—N'esse caso farei outra pergunta—que vieste para ahi fazer?

—Tinha calor… cancei-me de lêr… vim tomar ar. Ha um instante.

—Ha um instante? Não diz isso aquella luz, que parece de casa mortuaria. Nada haveria mais natural do que tudo isso, se fosse com outro; porém em ti é para estranhar a menor irregularidade de habitos.

—Tambem eu me estranho. É certo porém que esta noite não me sinto disposto para estudar.

—Pois aproveita essas felizes disposições, e descança, descança. Que diabo! Parece-me que dás á administração da nossa casa mais importancia do que ella merece. A final de contas sempre é tarefa que o frei Januario fez durante annos. Se soubesses como a noite está agradavel! Não esteve de todo má a partida em casa dos Curujães.

—Ah! vens de lá?—inquiriu Jorge, com indifferença.

—Venho, sim. Bastante gente. Venancio cada vez mais parvo. A D. Anna cantando a Norma da maneira que sabemos. A Ermelinda do Nogueiral, com a cabeça cheia de fitas, parecia um navio embandeirado; os pequenos do Antonio Rodrigo estavam perdidos de riso. Quem não está feia é a Dôres, a pequenita do João Tavares; dois mezes que passem mais por aquella infancia e estará alli uma bella mulher. Mas que noite tão sombria! Nem a luz de hontem em casa do Thomé! Hoje nem Bertha nos faz companhia. Sirva-lhe isto para desconto dos grandes peccados de que a accusas. Está provado que a vigilia de hontem foi consagrada á prosaica tarefa de arrumar as suas coisas pelas gavetas e bahus. É verdade, já a viste?…

—Não… Já.

—Não? Já? Que diabo de distracção é essa? E que te pareceu?

Jorge esteve algum tempo antes de responder:

—Bem.

—Tão sêcamente bem? Devéras?!

—Então que queres que te diga? Sabes que não te-