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OS MAIAS

Carlos não tinha uma aventura banal d’hotel, de que não mandasse ao Ega «um relatorio». O romance com a Gouvarinho, de que Carlos ao principio tentára, frouxamente, guardar um mysterio delicado, já o conhecia todo, já lêra as cartas da Gouvarinho, já passára pela casa da titi...

Mas do outro segredo não sabia nada — e considerava-se ultrajado. Via todas as manhãs Carlos partir para a rua de S. Francisco, levando flôres; via-o chegar de lá, como elle dizia, «besuntado d’extasi»; via-lhe os silencios repassados de felicidade, e esse indefinido ar, ao mesmo tempo sério e ligeiro, risonho e superior, do homem profundamente amado... E não sabia nada.

Justamente alguns dias depois, estando ambos sós, a fallar de planos de verão, Carlos alludiu aos Olivaes, com enthusiasmo, relembrando algumas das preciosidades do Craft, o dôce socego da casa, a clara vista do Tejo... Aquillo realmente fôra obter por uma mão cheia de libras um pedaço do paraiso...

Era á noite, no quarto de Carlos, já tarde. E o Ega, que passeava com as mãos nas algibeiras do robe-de-chambre, encolheu os hombros, impaciente, farto d’aquelles louvores eternos á casinhola do Craft.

— Essa concepção do paraiso, exclamou elle, parece-me d’um estofador da rua Augusta! Como natureza, couves gallegas; como decoração, os velhos cretones do gabinete, desbotados já por tres barrelas...