OS MAIAS
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Um quarto de dormir lugubre como uma capella de santuario... Um salão confuso como o armazem d’um cara-de-pau, e onde não é possivel conversar... A não ser o armario hollandez, e um ou outro prato, tudo aquillo é um lixo archeologico... Jesus! o que eu odeio bric-à-brac!

Carlos, no fundo da sua poltrona, disse tranquillamente, e como reflectindo:

— Com effeito esses cretones são medonhos... Mas eu vou mandar remobilar, tornar aquillo mais habitavel.

Ega estacou no meio do quarto, com o monoculo a faiscar sobre Carlos.

— Habitavel? Vaes ter hospedes?

— Vou alugar.

— Vaes alugar! A quem?

E o silencio de Carlos, que soprava o fumo da cigarrette com os olhos no tecto, enfureceu Ega. Comprimentou quasi até ao chão, disse sarcasticamente:

— Peço perdão. A pergunta foi brutal. Tive agora o ar de querer arrombar uma gaveta fechada... O aluguel d’um predio é sempre um d’esses delicados segredos de sentimento e de honra em que não deve roçar nem a aza da imaginação... Fui rude... Irra! Fui bestialmente rude!

Carlos continuava calado. Comprehendia bem o Ega — e quasi sentia um remorso d’aquella sua rigida reserva. Mas era como um pudor que o enleava, lhe impedia de pronunciar sequer o nome de