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OS MAIAS

— É para vêr de pé, e de passagem... Não se póde ficar aqui sentado, a conversar.

— Mas esta é materia-prima! exclamou Carlos. Com isto depois faz-se uma sala adoravel... Para que serve o nosso genio decorativo?... Olhe o armario, veja que centro! Que belleza!

Enchendo quasi a parede do fundo, o famoso armario, o «movel divino» do Craft, obra de talha do tempo da Liga Hanseatica, luxuoso e sombrio, tinha uma magestade architectural: na base quatro guerreiros, armados como Marte, flanqueavam as portas, mostrando cada uma em baixo-relevo o assalto de uma cidade ou as tendas de um acampamento; a peça superior era guardada aos quatro cantos pelos quatro evangelistas, João, Marcos, Lucas e Matheus, imagens rigidas, envolvidas n’essas roupagens violentas que um vento de prophecia parece agitar: depois na cornija erguia-se um trophéo agricola com mólhos d’espigas, fouces, cachos d’uvas e rabiças d’arados; e, á sombra d’estas coisas de labor e fartura, dois Faunos, recostados em symetria, indifferentes aos heroes e aos santos, tocavam n’um desafio bucolico a frauta de quatro tubos.

— Então, hein? dizia Carlos. Que movel! É todo um poema da Renascença, Faunos e Apostolos, guerras e georgicas... Que se póde metter dentro d’este armario? Eu se tivesse cartas suas era aqui que as depositava, como n’um altar-mór.

Ella não respondeu, sorrindo, caminhando devagar