132
OS MAIAS

se me atreverei a viver uma vida pacata de aldêa no meio de todas estas raridades...

— Não diga isso, exclamava Carlos rindo, que eu pégo fogo a tudo!

Mas o que lhe agradou mais foram as bellas faianças, toda uma arte immortal e fragil espalhada por sobre o marmore das consolas. Uma sobretudo attrahiu-a, uma esplendida taça persa, d’um desenho raro, com um renque de negros cyprestes, cada um abrigando uma flôr de côr viva: e aquillo fazia lembrar breves sorrisos reapparecendo entre longas tristezas. Depois eram as apparatosas majolicas, de tons estridentes e desencontrados, cheias de grandes personagens, Carlos V passando o Elba, Alexandre coroando Roxane; os lindos Nevers, ingenuos e sérios; os Marselhas, onde se abre voluptuosamente, como uma nudez que se mostra, uma grossa rosa vermelha; os Derby, com as suas rendas de ouro sobre o azul-ferrete de céo tropical; os Wedgewood, côr de leite e côr de rosa, com transparencias fugitivas de concha na agua...

— Só um instante mais, exclamou Carlos vendo-a outra vez sentar-se, é necessario saudar o genio tutelar da casa!

Era ao centro, sobre uma larga peanha, um idolo japonez de bronze, um deus bestial, nú, pelado, obeso, de papeira, faceto e banhado de riso, com o ventre óvante, distendido na indigestão de todo um universo — e as duas perninhas bambas,