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OS MAIAS

noite de separação. E Carlos nada tinha a contar senão que pensára n’ella, que sonhára com ella... Depois era um silencio: os pardaes piavam, as pombas arrulhavam por cima do leve telhado: e Niniche, que os acompanhava sempre, seguia os seus murmurios, os seus silencios, enroscada a um canto, com um olho negro, reluzindo desconfiadamente por entre as repas prateadas.

Fóra, por aquelles dias de calma, sem aragem, a quinta sêcca, d’um verde empoeirado, dormia com as folhagens immoveis, sob o peso do sol. Da casa branca, através das persianas fechadas, vinha apenas o som amodorrado das escalas que Rosa fazia no piano. E no kiosque havia tambem um silencio satisfeito e pleno — sómente quebrado por algum dôce suspiro de lassidão que sahia do divan, d’entre as almofadas de sêda, ou algum beijo mais longo e d’um remate mais profundo... Era Niniche que os tirava d’aquelle suave entorpecimento, farta de estar alli quieta, encerrada entre as madeiras quentes, n’um ar molle já repassado d’esse aroma indefinido em que havia jasmim.

Lenta, e passando as mãos no rosto Maria erguia-se — mas para cahir logo aos pés de Carlos, no seu reconhecimento infinito... Meu Deus, o que lhe custava então esse momento de separação! Para que havia de ser assim? Parecia tão pouco natural, esposos como eram, que ella ficasse alli toda a noite, sósinha, com o seu desejo d’elle, e elle fosse, sem as suas carícias, dormir solitariamente ao Ramalhete!...