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OS MAIAS

a cabeça sobre o hombro de Carlos. Elle acrescentou, devagar:

— Em todo o caso, comprehendes bem, preciso primeiro ir a Santa Olavia, vêr o avô...

Os olhos de Maria perdiam-se outra vez na escuridão — como recebendo d’ella o presagio d’um futuro, onde tudo seria confuso e escuro tambem.

— Tu tens Santa Olavia, tens teu avô, tens os teus amigos... Eu não tenho ninguem!

Carlos estreitou-a a si, enternecido.

— Não tens ninguem! Isso dito a mim! Nem chega a ser injustiça, nem chega a ser ingratidão! É nervoso; e é tambem o que os inglezes chamam a «impudente adulteração d’um facto.»

Ella ficára aninhada no peito de Carlos, como desfallecida.

— Não sei porque, queria morrer...

Um largo brilho de relampago alumiou o rio. Maria teve medo, entraram na alcova. Os mólhos de velas de duas serpentinas, batendo os damascos e os setins amarellos, embebiam o ar tepido, onde errava um perfume, n’uma refulgencia ardente de sacrario: e as bretanhas, as rendas do leito já aberto punham uma casta alvura de neve fresca n’esse luxo amoroso e côr de chamma. Fóra, para os lados do mar, um trovão rolou lento e surdo. Mas Maria já o não ouviu, cahida nos braços de Carlos. Nunca o desejára, nunca o adorára tanto! Os seus beijos anciosos pareciam tender mais longe