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OS MAIAS

como fallando ao seu proprio coração, calmando-lhe as incertezas e as duvidas:

— Não, com effeito, nada vale no mundo senão o nosso amor! Nada mais vale! Se elle é verdadeiro, se é profundo, tudo mais é vão, nada mais importa...

A sua voz morreu entre os beijos de Carlos, que a levava abraçada para o leito — onde tantas vezes desesperava d’ella como d’uma deusa intangivel.

Ás cinco horas pensaram em jantar. A mesa fôra posta n’uma saleta que Carlos quizera em tempo revestir de colxas de setim côr de perola e botão d’ouro. Mas não estava ainda arranjada; as paredes conservavam o seu papel verde-escuro; e Carlos puzera alli ultimamente o retrato de seu pai — uma tela banal, representando um moço pallido, de grandes olhos, com luvas de camurça amarella e um chicote na mão.

Era Baptista que os servia, já com um fato claro de viagem. A mesa, redonda e pequena, parecia uma cesta de flôres; o champagne gelava dentro dos baldes de prata; no aparador a travessa d’arroz dôce tinha as iniciaes de Maria.

Aquelles lindos cuidados fizeram-na sorrir, enternecida. Depois reparou no retrato de Pedro da Maia: e interressou-se, ficou a contemplar aquella face descórada, que o tempo fizera livida, e onde pareciam mais tristes os grandes olhos d’arabe, negros e languidos.