OS MAIAS
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da sua rigidez de marmore, teve um movimento attento, aproximando de leve a cadeira.

Castro Gomes no emtanto, tendo pousado o chapéo, tirára do bolso interior da sobrecasaca uma carteira com um largo monogramma de ouro; e, vagaroso, procurava entre os papeis uma carta... Depois, com ella na mão, muito tranquillamente:

— Eu recebi no Rio de Janeiro, antes de partir, este escripto anonymo... Mas não creia v. exc.ª que foi elle que me levou a atravessar á pressa o Atlantico. Seria o maior dos ridiculos... E desejo tambem affirmar-lhe que todo o conteudo d’elle me deixou perfeitamente indifferente... Aqui o tem. Quer v. exc.ª lêl-o, ou quer que eu leia?

Carlos murmurou com um esforço:

— Leia v. exc.ª

Castro Gomes desdobrou o papel, e revirou-o um instante entre os dedos.

— Como v. exc.ª vê, é a carta anonyma em todo o seu horror: papel de mercearia, pautadinho de azul; calligraphia reles; tinta reles; cheiro reles. Um documento odioso. E aqui está como elle se exprime: «Um homem que teve a honra de apertar a mão de v. exc.ª» Eu dispensava a honra... «que teve a hora de apertar a mão de v. exc.ª e d’apreciar o seu cavalheirismo, julga dever prevenil-o que sua mulher é, á vista de toda a Lisboa, a amante d’um rapaz muito conhecido aqui, Carlos Eduardo da Maia, que vive n’uma casa ás Janellas Verdes, chamada o Ramalhete. Este heroe,