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OS MAIAS

fulgor de desejo na face? Porque é que nas suas longas conversas, nas manhãs da rua de S. Francisco, não fallára jámais de Paris, dos seus amigos e das coisas da sua casa? Porque é que ao fim de dois mezes, sem preparação, sem todas essas progressivas evidencias do amor que cresce e desabrocha como uma flôr, se lhe abandonára de chofre, toda prompta, apenas elle lhe disse o primeiro «amo-te»?... Porque lhe aceitára uma casa já mobilada, com a facilidade com que lhe aceitava os ramos? E outras coisas ainda, pequeninas, mas que não teriam escapado ao mais simples: joias brutaes, d’um luxo grosseiro de cocotte: o livro da Explicação de sonhos, á cabeceira da cama; a sua familiaridade com Melanie... E agora até o ardor dos seus beijos lhe parecia vir menos da sinceridade da paixão — que da sciencia da voluptuosidade!... Mas tudo acabára, providencialmente! A mulher que elle amára e as suas seducções esvaíam-se de repente no ar como um sonho, radiante e impuro, de que aquelle brazileiro o viera acordar por caridade! Esta mulher era apenas a Mac-Gren... O seu amor fôra, desde que a vira, como o proprio sangue das suas veias; e escoava-se agora todo através da ferida incuravel e que nunca mais fecharia, feita no seu orgulho!

Ega appareceu á porta do salão, ainda pallido:

— Então?

Toda a cólera de Carlos fez explosão: