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OS MAIAS

as coisas com superioridade, como homens do seu tempo e «do seu mundo», ellas não offereciam nem motivos de cólera, nem motivos de dôr...

— Então não comprehendes nada! gritou Carlos, não percebes o meu caso!

Sim, sim, Ega comprehendia claramente que era horrivel para um homem, no momento em que ia ligar com adoração o seu destino ao d’uma mulher, saber que outros a tinham tido a tanto por noite... Mas isso mesmo simplificava e amenisava as coisas. O que fôra um drama complicado tornava-se uma distracção bonançosa. Ficava Carlos, desde logo, alliviado do remorso de ter desorganisado uma familia: já não tinha de se exilar, a esconder o seu erro, n’um buraco florido da Italia; já o não prendia a honra para sempre a uma mulher a quem talvez não o prenderia para sempre o amor. Tudo isto, que diabo! eram vantagens.

— E a dignidade d’ella! exclamou Carlos.

Sim, mas a diminuição de dignidade e pureza não era na verdade grande, porque antes da visita de Castro Gomes já ella era uma mulher que foge do seu marido — o que, sem mesmo usar termos austeros, nem é muito puro nem muito digno... Decerto, tudo isso era uma humilhação irritante — não superior todavia á d’um homem que tem uma Madona que contempla com religião, suppondo-a de Raphael, e que descobre um dia que a tela divina foi fabricada na Bahia por um sujeito chamado Castro Gomes! Mas o resultado intimo e