OS MAIAS
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dôr humilhada... Todo abalado, com os labios a tremer, murmurou:

— Mesmo que te pudesse perdoar, como te poderia acreditar agora nunca mais? Ha esta mentira horrivel sempre entre nós a separar-nos! Não teria um unico dia de confiança e de paz...

— Nunca te menti senão n’uma coisa, e por amor de ti! disse ella gravemente do fundo da sua prostração.

— Não, mentiste em tudo! Tudo era falso, falso o teu casamento, falso o teu nome, falsa a tua vida toda... Nunca mais te poderia acreditar... Como havia de ser, se agora mesmo quasi que nem acredito no motivo das tuas lagrimas?

Uma indignação ergueu-a, direita e soberba. Os seus olhos de repente seccos rebrilharam, revoltados e largos, no marmore da sua pallidez.

— Que queres tu dizer? Que estas lagrimas tem outro motivo, estas supplicas são fingidas? Que finjo tudo para te reter, para não te perder, ter outro homem, agora que estou abandonada?...

Elle balbuciou:

— Não, não! Não é isso!

— E eu? exclamou ella, caminhando para elle, dominando-o, magnifica e com um esplendor de verdade na face. E eu? porque hei de eu acreditar n’essa grande paixão que me juravas? O que é que tu amavas então em mim? Dize lá! Era a mulher d’outro, o nome, o requinte do adulterio, as toilettes?... Ou era eu propria, o meu corpo, a minha