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OS MAIAS

esse colossal documento de cobardia humana, tão interessante para a physiologia e para a arte, ficasse para sempre inaproveitado no escuro d’uma gaveta!... Que effeito, que soberbo effeito se aquella confissão do «nosso distincto sportman» surgisse um dia na Gazeta Illustrada ou no novo jornal A Tarde, nas columnas do High-life, sob este titulo — Pendencia d’honra! E que lição, que meritorio acto de justiça social!

Todo esse verão, Ega detestára o Damaso, certo, desde Cintra, de que elle era o amante da Cohen — e de que, por esse imbecil de grossas nadegas, esquecera ella para sempre a villa Balzac, as manhãs na colcha de setim preto, os seus beijos delicados, os versos de Musset que lhe lia, os lunchesinhos de perdiz, tantos encantos poeticos. Mas o que lhe tornára o Damaso intoleravel — fôra a sua farofia radiante de homem preferido; o ar de posse com que passeava ao lado de Rachel pelas estradas de Cintra, vestido de flanella branca; os segredinhos que tinha sempre a cochichar-lhe sobre o hombro; e o acênosinho desdenhoso, com um dedo, que lhe atirava de lado, ao passar, a elle proprio, Ega... Era odioso! Odiava-o: e através d’esse odio ruminára sempre o desejo d’uma vingança — pancada, deshonra ou ridiculo que tornasse o snr. Salcede, aos olhos de Rachel, desprezivel, grutesco, chato como um balão furado...

E agora alli tinha essa carta providencial, em que o homem solemnemente se declarava bebedo.