OS MAIAS
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Não a tornára a encontrar desde Cintra, onde só a via de longe, com vestidos claros sob o verde das arvores; e agora alli, toda de preto, em cabello, com um decote curto onde brilhava a perfeita brancura do seu collo, ella era outra vez a sua Rachel, dos tempos divinos da villa Balzac. Era assim que elle, todas as noites em S. Carlos, a contemplava do fundo da frisa de Carlos, com a cabeça encostada ao tabique, saturado de felicidade. Lá tinha a sua luneta d’ouro, presa por um fio d’ouro. Parecia mais pallida, mais delicada, com o longo quebranto dos olhos pisados, o seu ar de romance e de lirio meio murcho: e como então os seus cabellos magnificos e pesados cahiam habilmente n’uma massa meia solta sobre as costas, n’um desalinho de nudez. Pouco a pouco, entre o afinar de rebecas e o rumor das cadeiras Ega revia, n’uma onda de recordações que o suffocava, o grande leito da villa Balzac, certos beijos e certos risos, as perdizes comidas em camisa á borda do sofá, e a melancolia deliciosa das tardes, quando ella sahia furtivamente, coberta de véos, e elle ficava, cansado, no crepusculo poetico do quarto, cantarolando a Traviata...

— V. exc.ª dá licença, snr. Ega?

Era um sujeito escaveirado, de barba rala, que reclamava a sua cadeira. Ega ergueu-se, confusamente, sem reconhecer o snr. Sousa Netto. O panno subira. Á borda da rampa um lacaio, piscando o olho á Plateia, fazia confidencias sobre a patrôa,