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OS MAIAS

de espanejador debaixo do braço. E Cohen, agora de pé, enchia o meio do camarote, cofiando as suissas com um correr lento da mão bem tratada, onde reluzia um diamante.

Ega então, n’um soberbo alarde d’indifferença, cravou o monoculo no palco. O lacaio abalára espavorido, a um repique furioso de sineta; e uma megera azeda, de roupão verde e touca á banda, rompera de dentro, meneando desesperadamente o leque, ralhando com uma mocinha delambida que batia o tacão, se esganiçava: «Pois hei de amal-o sempre! hei de amal-o sempre!»

Irresistivelmente Ega revirou o canto do olho para o camarote: Rachel e o Damaso, com as cabeças chegadas como em Cintra, cochichavam n’um sorriso. E tudo logo dentro do Ega se resumiu n’um immenso odio ao Damaso! Collado á umbreira da porta, rilhava os dentes, n’um desejo de subir, escarrar-lhe na bochecha gorda.

E não desviava d’elle os olhos, que dardejavam. Na scena, um velho general, gottoso e resmungão, sacudia um jornal, gritava pela sua tapioca. A Plateia ria, o Cohen ria. E n’esse momento Damaso, que se debruçára no camarote com as mãos de fóra, calçadas de gris-perle, descobriu o Ega, sorriu, atirou-lhe como em Cintra um acenosinho petulante, muito d’alto, na ponta dos dedos. Isto feriu o Ega como um insulto. E ainda na vespera aquelle covarde se lhe agarrára ás mãos, tremendo todo, a gritar «que o salvasse!...»