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OS MAIAS

Gonçalo correu lentamente a mão pela gaforinha, com a face franzida:

— É necessario, homem! Razões de disciplina e de solidariedade partidaria... Ha uns compromissos... O paço quer, gosta d’elle...

Espreitou em roda, murmurou, collado ao Ega:

— Ha ahi umas questões de syndicatos, de banqueiros, de concessões em Moçambique... Dinheiro, menino, o omnipotente dinheiro!

E como Ega se curvava, vencido, cheio só de respeito — o outro, faiscando todo de finura e cynismo, atirou-lhe uma palmada ao hombro:

— Meu caro, a politica hoje é uma coisa muito differente! Nós fizemos como vocês os litteratos. Antigamente a litteratura era a imaginação, a phantasia, o ideal... Hoje é a realidade, a experiencia, o facto positivo, o documento. Pois cá a politica em Portugal tambem se lançou na corrente realista. No tempo da Regeneração e dos Historicos a politica era o progresso, a viação, a liberdade, o palavrorio... Nós mudamos tudo isso. Hoje é o facto positivo, — o dinheiro, o dinheiro! o bago! a massa! A rica massinha da nossa alma, menino! O divino dinheiro!

E de repente emmudeceu, sentindo na sala um silencio — onde o seu grito de «dinheiro! dinheiro!» parecera ficar vibrando, no ar quente do gaz, com a prolongação de um toque de rebate acordando as cubiças, chamando ao longe e ao largo todos os habeis para o saque da Patria inerte!...