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OS MAIAS

um christão trepar a um monumento que tem cinco mil annos de existencia... Ora a snr.ª D. Maria, n’este sarau, ia vêr por dez tostões uma coisa tambem rara, — a alma sentimental d’um povo exhibindo-se n’um palco, ao mesmo tempo nua e de casaca.

— Vá, coragem! um chapéo, um par de luvas, e a caminho!

Ella sorria, queixando-se de fadiga e preguiça.

— Bem, exclamou Ega, eu é que não quero perder o Rufino... Vamos lá, Carlos, mexe-te!

Mas Carlos implorou clemencia:

— Mais um bocadinho, homem! Deixa a Maria tocar umas notas do Hamlet. Temos tempo... Esse Rufino, e o Alencar, e os bons, só gorgeiam mais tarde...

Então Ega, cedendo tambem a todo aquelle conchego tepido e amavel, enterrou-se no sofá com o charuto, para escutar a canção d’Ophelia, de que Maria já murmurava baixo as palavras scismadoras e tristes:

Pâle et blonde,
Dort sous l’eau profonde...

Ega adorava esta velha ballada escandinavia. Mais porém o encantava Maria que nunca lhe parecera tão bella: o vestido claro que tinha n’essa noite modelava-a com a perfeição d’um marmore: e entre as velas do piano, que lhe punham um traço de luz no perfil puro e tons d’ouro esfiado no cabello — o