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OS MAIAS

ao cahir da tarde, quando os sinos da velha torre choravam no ar a Ave-Maria e no valle cantavam as ceifeiras, elle passára junto da cruz do adro e da cruz do cemiterio, atirando-lhes de lado, cruelmente, o sorriso frio de Voltaire!...

Um largo fremito d’emoção passou. Vozes suffocadas de gozo mal podiam murmurar «muito bem, muito bem...»

Pois fôra n’esse estado, devorado pela duvida, que Rufino ouvira um grito d’horror resoar por sobre o nosso Portugal... Que succedera? Era a Natureza que atacava seus filhos! — E lançando os braços, como quem se debate n’uma catastrophe, Rufino pintou a inundação... Aqui aluia um casal, ninho florido d’amores; além, na quebrada, passava o balar choroso dos gados; mais longe as negras aguas iam juntamente arrastando um botão de rosa e um berço!...

Os bravos partiram profundos e roucos de peitos que arfavam. E em torno de Carlos e do Ega sujeitos voltavam-se apaixonadamente uns para os outros, com um brilho na face, commungando no mesmo enthusiasmo: «Que rajadas!... Caramba!... Sublime!...»

Rufino sorria, bebendo esta commoção, que era a obra do seu verbo. Depois, respeitosamente, voltou-se para as cadeiras reaes, solemnes e vazias...

Vendo que a cólera da Natureza rugia implacavel, elle erguera os olhos para o natural abrigo, para o exaltado logar d’onde desce a salvação, para