OS MAIAS
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o Throno de Portugal! E de repente, deslumbrado, vira por sobre elle estenderem-se as azas brancas d’um anjo! Era o anjo da esmola, meus senhores! E d’onde vinha? d’onde recebera a inspiração da caridade? d’onde sahia assim, com os seus cabellos d’ouro? Dos livros da sciencia? dos laboratorios chimicos? d’esses amphitheatros d’anatomia onde se nega covardemente a alma? das sêccas escólas de philosophia que fazem de Jesus um precursor de Robespierre? Não! Elle ousára interrogar o anjo, submisso, com o joelho em terra. E o anjo da esmola, apontando o espaço divino, murmurára: «Venho d’além!»

Então pelos bancos apinhados correu um susurro d’enlevo. Era como se os estuques do tecto se abrissem, os anjos cantassem no alto. Um estremecimento devoto e poetico arrepiava as cuias das senhoras.

E Rufino findava, com uma altiva certeza na alma! Sim, meus senhores! Desde esse momento, a duvida fôra n’elle como a nevoa que o sol, este radiante sol portuguez, desfaz nos ares... E agora, apesar de todas as ironias da sciencia, apesar dos escarneos orgulhosos d’um Renan, d’um Littré e d’um Spencer, elle, que recebera a confidencia divina, podia alli, com a mão sobre o coração, affirmar a todos bem alto — havia um céo!

— Apoiado! mugiu na coxia o padre sebento.

E por todo o salão, no aperto e no calor do gaz, os cavalheiros das Secretarias, da Arcada, da