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OS MAIAS

— N’uma festa de sociedade, sob a protecção da rainha, diante d’um ministro da corôa, fallar de barricadas, prometter mundos e fundos ás classes proletarias... É perfeitamente indecente!

Já a condessa enfiára a portinhola, apanhando a larga cauda de sêda. O ministro mergulhou tambem furiosamente na sombra do coupé. Junto ás rodas passou choutando, n’uma pileca branca, o correio agaloado.

Ega ia subir. Mas o marquez appareceu, abafado n’um gabão d’Aveiro, fugindo a um poeta de grandes bigodes que ficára em cima a recitar quadrinhas miudinhas a uns olhinhos galantinhos: e o marquez detestava versos feitos a partes do corpo humano. Depois foi o Cruges que surgiu do botequim, abotoando o paletot. Então, perante essa debandada de todos os amigos, Ega decidiu abalar tambem, ir tomar o seu grog ao Gremio com o maestro.

Metteram o marquez n’uma tipoia — e elle e Cruges desceram a rua Nova da Trindade, devagar, no encanto estranho d’aquella noite d’inverno, sem estrellas, mas tão macia que n’ella parecia andar perdido um bafo de maio.

Passavam á porta do Hotel Alliança quando Ega sentiu alguem, que se apressava, chamar atraz: «Ó snr. Ega! V. exc.ª faz favor, snr. Ega?...» — Parou, reconheceu o chapéo recurvo, as barbas brancas do snr. Guimarães.

— V. exc.ª desculpe! exclamou o demagogo esbaforido.