OS MAIAS
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teria coragem nunca de «dizer tudo». Que havia de fazer?... E de novo, insensivelmente, se refugiou na idéa de procurar o Villaça, entregar-lhe o cofre da Monforte. Não havia homem mais honesto, nem mais pratico; e, pela mesma mediocridade do seu espirito burguez, quem melhor para encarar aquella catastrophe sem paixão e sem nervos?... E esta falta de nervos do Villaça fixou-o definitivamente.

Saltou então da cama, n’uma impaciencia, repicou a campainha. E emquanto o criado não entrava, foi, com o robe-de-chambre aos hombros, examinar o cofre da Monforte. Parecia com effeito uma velha caixa de charutos, embrulhada n’um papel de dobras já sujas e gastas, com marcas de lacre onde se distinguia uma divisa que seria decerto a da Monforte — Pro amore. Na tampa tinha escripto n’uma letra de mulher mal-ensinada — Monsieur Guimaran, à Paris. Ao sentir os passos do criado deitou-lhe por cima uma toalha, que pendia ao lado, n’uma cadeira. E d’ahi a meia hora rolava pelo Aterro n’uma tipoia descoberta, mais animado, respirando largamente aquelle bello ar da manhã, fino e fresco, que elle tão raras vezes gozava.

Começou por uma contrariedade. Villaça já sahira: e a criada não sabia bem se elle fôra para o escriptorio, se a uma vistoria ao Alfeite... Ega largou para o escriptorio, na rua da Prata. O snr. Villaça ainda não viera...

— E a que horas virá?