OS MAIAS
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aos seus pensamentos de cólera lembranças da sóirée da vespera, certos olhares da Alvim, certas esperanças que lhe tornavam saudosa a partida. Um alegre sol dourava a varanda. Terminou por abrir a vidraça, respirar, olhar o bello azul d’inverno. Lisboa ganhava tanto com aquelle tempo! E já Celorico, a quinta, o padre Seraphim, lhe estendiam de longe a sua sombra n’alma. Ao baixar os olhos viu o dog-cart de Carlos atrellado com a Tunante, que escarvava a calçada animada pelo ar vivo. Era Carlos decerto que ia sahir cedo — para não se encontrar com elle e com o avô!

N’um receio de o não apanhar n’esse dia, desceu correndo. Carlos aferrolhára-se na alcova de banho. Ega chamou, o outro não tugiu. Por fim Ega bateu, gritou através da porta, sem esconder a sua irritação:

— Tem a bondade d’escutar!... Então partes para Santa Olavia, ou quê?

Depois d’um instante, Carlos lançou de lá, entre um rumor d’agua que cahia:

— Não sei... Talvez... Logo te digo...

O outro não se conteve mais:

— É que se não pôde ficar assim eternamente... Recebi uma carta de minha mãi... E se não partes para Santa Olavia, eu vou para Celorico... É absurdo! Já estamos n’isto ha tres dias!

E quasi se arrependia já da sua violencia, quando a voz de Carlos se arrastou de dentro, humilde e cansada, n’uma supplica: