OS MAIAS
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confissões; — e ainda não sabia nada do seu passado, nem mesmo a terra em que nascera, nem sequer a rua que habitava em Paris. Não lhe ouvira murmurar jámais o nome do marido, nem fallar d’um amigo ou d’uma alegria da sua casa. Parecia não ter em França, onde vivia, nem interesses, nem lar; — e era realmente como a deusa que elle ideára, sem contactos anteriores com a terra, descida da sua nuvem d’oiro, para vir ter alli, n’aquelle andar alugado da rua de S. Francisco, o seu primeiro estremecimento humano.

Logo na primeira semana das visitas de Carlos tinham fallado d’affeições. Ella acreditava candidamente que podesse haver, entre uma mulher e um homem, uma amizade pura, immaterial, feita da concordancia amavel de dois espiritos delicados. Carlos jurou que tambem tinha fé n’essas bellas uniões, todas d’estima, todas de razão — comtanto que se lhes misturasse, ao de leve que fosse, uma ponta de ternura... Isso perfumava-as d’um grande encanto — e não lhes diminuia a sinceridade. E, sob estas palavras um pouco diffusas, murmuradas por entre as malhas do bordado e com lentos sorrisos, ficára subtilmente estabelecido que entre elles só deveria haver um sentimento assim, casto, legitimo, cheio de suavidade e sem tormentos.

Que importava a Carlos? Comtanto que podesse passar aquella hora na poltrona de cretone,