OS MAIAS
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neve. Depois cahiu de joelhos no chão humido, sacudia-lhe as mãos, murmurando: — «Ó avô! ó avô!» — Correu ao tanque, borrifou-o d’agua:

— Chamem alguem! chamem alguem!

Outra vez lhe palpava o coração... Mas estava morto. Estava morto, já frio, aquelle corpo que, mais velho que o seculo, resistira tão formidavelmente, como um grande roble, aos annos e aos vendavaes. Alli morrera solitariamente, já o sol ia alto, n’aquella tosca mesa de pedra onde deixára pender a cabeça cansada.

Quando Carlos se ergueu, Ega apparecia, esguedelhado, embrulhado no robe-de-chambre. Carlos abraçou-se n’elle, tremendo todo, n’um chôro despedaçado. Os criados em redor olhavam, aterrados. E a governante, como tonta, entre as ruas de roseiras, gemia com as mãos na cabeça: — «Ai o meu rico senhor, ai o meu rico senhor!»

Mas o porteiro, esbaforido, chegava com o medico, o dr. Azevedo, que felizmente encontrára na rua. Era um rapaz, apenas sahido da Escóla, magrinho e nervoso, com as pontas do bigode muito frisadas. Deu em redor, atarantadamente, um comprimento aos criados, ao Ega, e a Carlos, que procurava serenar com a face lavada de lagrimas. Depois, tendo descalçado a luva, estudou todo o corpo de Affonso com uma lentidão, uma minuciosidade que exagerava, á medida que sentia em volta, mais anciosos e attentos n’elle, todos aquelles olhos humedecidos. Por fim, diante de Carlos, passando