OS MAIAS
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a melancolia de um retiro esquecido que já ninguem ama: uma ferrugem verde de humidade cobria os grossos membros da Venus Citherea; o cypreste e o cedro envelheciam juntos como dois amigos n’um ermo; e mais lento corria o prantosinho da cascata, esfiado saudosamente gotta a gotta na bacia de marmore. Depois ao fundo, encaixilhada como uma tela marinha nas cantarias dos dois altos predios, a curta paizagem do Ramalhete, um pedaço de Tejo e monte, tomava n’aquelle fim de tarde um tom mais pensativo e triste: na tira de rio um paquete fechado, preparado para a vaga, ia descendo, desapparecendo logo, como já devorado pelo mar incerto; no alto da collina o moinho parára, transido na larga friagem do ar; e nas janellas das casas á beira d’agua um raio de sol morria, lentamente sumido, esvaído na primeira cinza do crepusculo, como um resto d’esperança n’uma face que se anuvia.

Então, n’aquella mudez de soledade e d’abandono, Ega, com os olhos para o longe, murmurou devagar:

— Mas tu d’esse casamento não tinhas a menor indicação, a menor suspeita?

— Nenhuma... Soube-o de repente pela carta d’ella em Sevilha.

E era esta a formidavel nova annunciada por Carlos, a nova que elle logo contára de madrugada ao Ega, depois dos primeiros abraços, em Santa Apolonia. Maria Eduarda ia casar.