OS MAIAS
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desceram pelas escadas forradas de velludo côr de cereja, onde ainda pendia, com um ar baço de ferrugem, a panoplia de velhas armas. Depois na rua Carlos parou, deu um longo olhar ao sombrio casarão, que n’aquella primeira penumbra tomava um aspecto mais carregado de residencia ecclesiastica, com as suas paredes severas, a sua fila de janellinhas fechadas, as grades dos postigos terreos cheias de treva, mudo, para sempre deshabitado, cobrindo-se já de tons de ruina.

Uma commoção passou-lhe n’alma, murmurou, travando do braço do Ega:

— É curioso! Só vivi dois annos n’esta casa, e é n’ella que me parece estar mettida a minha vida inteira!

Ega não se admirava. Só alli no Ramalhete elle vivera realmente d’aquillo que dá sabôr e relevo á vida — a paixão.

— Muitas outras coisas dão valor á vida... Isso é uma velha idéa de romantico, meu Ega!

— E que somos nós? exclamou Ega. Que temos nós sido desde o collegio, desde o exame de latim? Romanticos: isto é, individuos inferiores que se governam na vida pelo sentimento e não pela razão...

Mas Carlos queria realmente saber se, no fundo, eram mais felizes esses que se dirigiam só pela razão, não se desviando nunca d’ella, torturando-se para se manter na sua linha inflexivel, sêccos, hirtos, logicos, sem emoção até ao fim...