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mal e fallar bem, que labutação! Clubin era o phantasma da rectidão, sendo o espectro do crime. Este contra-senso foi o destino delle. Era-lhe preciso mostrar ares apresentaveis, escumar por baixo do nivel, sorrir em vez de ranger. A virtude para elle, era cousa que esmagava. Passou a vida a ter vontade de morder aquella mão que lhe tapava a boca.

E querendo mordel-a, foi obrigado a beijal-a.

Ter mentido, é ter soffrido. O hypocrita é um paciente na dupla accepção de palavra; calcula um triumpho e soffre um supplicio. A premeditação indefinida de uma acção ruim acompanhada por dóses de austeridade, a infamia interior temperada de excellente reputação, enganar continuadamente, não ser jámais quem é, fazer illusão, é uma fadiga. Compôr a candura com todos os elementos negros que trabalham no cerebro, querer devorar os que o veneram, acariciar, reter-se, reprimir-se, estar sempre alerta, espiar constantemente, compôr o rosto do crime latente, fazer da disformidade uma belleza, fabricar uma perfeição com a perversidade, fazer cocegas com o punhal, pôr assucar no veneno, velar na franqueza do gesto e na musica da voz, não ter o proprio olhar, nada mais difficil, nada mais doloroso. O odioso da hypocrisia começa obscuramente no hypocrita. Causa nauseas beber perpetuamente a impostura. A meiguice com que a astucia disfarça a malvadeza repugna ao malvado, continuamente obrigado a trazer essa mistura na boca, e ha momentos de enjôo em que o hypocrita vomita quasi o seu pensamento. Engulir essa saliva é cousa horrivel. Ajuntai a isto o profundo orgulho. Existem horas estranhas em que o hypocrita se estima. Ha um eu desmedido no