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não diminuia a estupefacção que sentia de achar-se alli, e de fazer o que estava fazendo. Ordinariamente o cançasso material é um fio que puxa para terra; mas a propria singularidade do trabalho emprehendido por Gilliatt, mantinha-o em um trabalho de região ideal e crepuscular. Parecia-lhe ás vezes estar dando martelladas nas nuvens. Outras vezes parecia-lhe que as suas ferramentas eram armas. Tinha o singular sentimento de um ataque latente que elle repellia ou prevenia. Tecer maçame, desfiar uma vela, escorar duas pranchas, era fabricar machinas de guerra. Os mil cuidados minuciosos deste salvamento acabavam por assemelhar-se a precauções contra as aggressões intelligentes, mui pouco dissimuladas e muito transparentes. Gilliatt não sabia as palavras que exprimem as idéas, mas percebia as idéas. Sentia-se cada vez menos operario e cada vez mais pelejador.

Entrou alli como um domador. Comprehendia isso quasi. Estranha ampliação para o seu espirito.

Além disso, tinha á roda de si, a perder de vista, o immenso sonho do trabalho perdido. Nada mais perturbador do que vêr manobrar a diffusão das forças no insondavel e no illimitado. Procuram-se os fins. O espaço sempre em movimento, a agua infatigavel, as nuvens que parecem affadigadas, o vasto esforço obscuro, toda essa convulsão é um problema. Que faz este perpetuo tremor? que construem estes ventos? que levantam estes abalos? Em que se occupam