Fernão Mendez Pinto. 37

de dobrar o dinheyro quaſi ſeis vezes, & no mais auia ſegurança para todos, com liberdade & franquia por todo aquelle mes de Setembro, conforme ao eſtatuto do Rey de Sião, por ſer o mès das Çumbayas dos Reys. E para que ſe iſto milhor entenda, he neeeſſario ſaber ſe que em toda eſta coſta do Malayo, & por dẽtro do ſertão domina hum grande Rey, que por titulo famoſo ſobre todos os outros ſe chama Prechau Saleu Emperador de todo o Sornau, q̃ he hũa prouincia de treze reynos a q̃ vulgarmẽte chamamos Sião, ao qual ſaõ ſogeitos, & pagaõ pareas cada anno catorze Reys pequenos, os quais por coſtume antigo eraõ obrigados a irem peſſoalmente todos os annos à cidade Odiaa metropoli deſte imperio Sornau, & reyno Sião, leuar eſtas pareas que erao obrigados pagar, & fazeremlhe a çumbaya, que era beijaremlhe o treçado que tinha na cinta. E porque eſta cidade eſtá cinquenta legoas pela terra dentro, & as correntes do rio ſaõ muyto grandes, pela qual razão ſe acontecia inuernarem là eſtes Reys muytas vezes, com muyta deſpeſa de ſuas fazendas, informado o Prechau Rey de Sião diſto por petiçaõ que todos os catorze Reys lhe fizeraõ, ouue por bẽ mudarlhe eſta ſugeição taõ graue noutra mais leue, & ordenou que daly por diante ouueſſe neſta cidade de Lugor hum Viſorrey, a que em ſua lingoa chamão, Poyno, ao qual eſtes catorze Reys de tres em tres annos vieſſem peſſoalmente dar obediencia, como antes cuſtumauão dar a el Rey, & pagaſſem então por junto todas as pareas que cada hum deueſſe de todos tres annos, & que naquelle mès em que elles vieſſem dar aquella obediencia, os franqueaua em ſuas fazendas, & a todos os mais mercadores que naquelle mès entraſſem & ſaiſſem, aſsi naturaes como eſtrangeiros. E porque na conjunçaõ em que aquy chegamos, como atras diſſe, era o tempo deſta franquia, eraõ tantos os mercadores que vinhaõ de todas as partes, que ſe affirmaua ſerem entradas neſta cidade paſſante de mil & quinhentas embarcaçoẽs de diuerſas partes com infinidade de fazẽdas ricas. E eſta he a noua que achamos quando ſurgimos na boca do rio, cõ a qual ficamos todos bem aluoroçados & contentes, & determinamos q̃ tanto que vieſſe a viraçaõ entrarmos para dentro, porem quiz a deſauentura por noſſos peccados, que não viſſemos iſto que tanto deſejauamos, porque ſendo quaſi às dez horas, eſtando ja para jantar, & com a amarra a pique para em acabando nos fazermos à vella, vimos vir de dentro do rio hum junco muyto grande ſó co traquete, & mezena, &em emparelhando com noſco ſurgio, hũ pouco a balrauento donde nos eſtauamos, & tanto que foy ſurto, conhecendo que eramos Portugueſes, & muyto poucos, & nos vio a embarcação taõ pequena, arriando da amarra, ſe deixou deſcayr ſobre nos, & igualandoſe cõ a noſſa proa pela banda daſtribordo nos lançou dous arpeos talingados

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