Fernão Mendez Pinto. 55

& que nauios de Portugueſes tinha tomado, & quantos homẽs mortos, & que fazenda roubada; diſſe que de ſete annos a eſta parte, o primeyro nauio que tomara fora o junco de Luys de Pauia no rio de Liampoo, com quatrocentos bares de pimenta ſem droga nenhũa, onde matara dezoito Portugueſes, a fora os ſeus eſcrauos, de que não fazia caſo, por não ſerem gente que o ſatisfizeſſe no que tinha jurado, mas que deſpois por conjunçoẽs de acertos que achara no mar, tomara mais quatro embarcaçoẽs, nas quais matara perto de tre zentas peſſoas, mas que Portugueſes não ſerião mais que ſetenta, & que lhe parecia que podia chegar o que tinha tomado de mil & quinhentos atè mil & ſeiſcentos bares de pimenta, & outra fazenda, da qual el Rey de Paõ lhe tomara logo mais de a metade pelo recolher em ſua terra, & ſegurar dos Portugueſes, dandolhe para iſſo aquelles cem homẽs que andauão com elle, & lhe obedeceſſem como a Rey. E perguntado ſe matara mais Portugueſes, ou dera fauor para iſſo, reſpondeo que não, mas q̃ eſtando auia dous annos no rio do Choaboquec na coſta da China, fora ahy ter hum junco grande com muytos portugueſes, de que era Capitaõ hum homem muyto ſeu amigo que ſe chamaua Ruy Lobo.que dõ Eſteuão da Gama Capitaõ de Malaca mandara de veniaga, o qual deſpois de ter feita ſua fazenda ſe ſayra do porto embandeirado por yr muyto rico, & que auendo ja cinco dias que era partido, lhe abrira o junco hũa agoa muyto groſſa, & não a podendo vencer, lhe fora forçado tornar a demandar o porto donde partira, & vindo com vento rijo infunado com todas as vellas, por chegar mais depreſſa, ſe lhe fora ſupitamẽte ao fun do, de que ſe ſaluara o Ruy Lobo cõ dezaſſete Portugueſes, & algũs eſcrauos, & viera ter na Champana ao ilheo de Lamau ſem vella, nem agoa, nem mantimento algum. E confiado o Ruy Lobo na amizade antigua q̃ com elle tiuera, lhe pedira em joelhos chorando que o quiſeſſe recolher no ſeu junco, em que naquelle tempo eſtaua de caminho para Patane, porq̃ lhe prometia, & aſsi lho juraua como Chriſtaõ de lhe dar por iſſo dous mil cruzados, o que elle aceitara, mas q̃ deſpois de o ter recolhido, fora aconſelhado pelos Mouros q̃ ſe não fiaſſe em amizade de Chriſtaõ, ſe naõ queria perder a vida, porqire como cobraſſem mais forças, lhe auião de tomar o junco com quanta fazenda leuaua, porque aſsi o cuſtumauão de fazer em todas as partes onde ſe achauão, pelo qual receoſo elle de poder vir a ſer o q̃ os Mouros lhe dizião, os matara hũa noite a todos eſtãdo dormindo, de que deſpois ſe arrepẽdera muytas vezes. Antonio de Faria, & os mais q̃ eſtauão à roda ficaraõ taõ paſmados, quanto hum tão feyo & inorme caſo o requeria, & não o querendo mais inquirir, o mandou a elle & aos quatro; que inda eſtauão viuos, matar, & lançar ao mar.

CAP.