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A primeira é saber se, no momento da visita do cruzador, o Charles et Georges estacionava ou não em paragens defezas. Em apoio da negativa, o Capitão apresenta o seu livro de derrota; mas em apoio da affirmativa, o cruzador portuguez pode apresentar o seu. Entre estas duas asserções o Governo portuguez deixa á França decidir por si propria, na sua equidade, se em princípio e de facto a balança não deve pender do lado da affirmativa; em principio, porque a declaração de um Official da Marinha Real é em toda a parte mais auctorisada que a declaração essencialmente interessada de um Capitão de navio mercante; de facto, porque um cruzador deve conhecer melhor as paragens confiadas à sua Vigilancia do que um navio mercante, que ahi se deteve casualmente.

A segunda questão de facto é saber se o embarque dos negros a bordo do Charles et Georges tivera logar em virtude de licença da Auctoridade portugueza. A unica licença de que até agora se tem fallado fôra concedida pelo Xeque do Matibana. Ora similhante Auctoridade não podia obrigar o Governo portuguez mais do que poderia, por exemplo, obrigar o Governo francez um Xeque arabe de Argelia que tivesse, por sua propria deliberação, e por dinheiro, concedido uma licença de embarque. As poucas attribuições de policia interior, concedidas aos chefes de tribus sujeitas, não podem seguramente extender-se até ao ponto de se exercer um direito de soberania.

Resta a questão de saber se o Governador de Moçambique excedeu os seus poderes, chamando o Charles et Georges aos Tribunaes como negreiro. Este fuuccíonario não podia infelizmente proceder de outro modo. O Charles et Georges embarcava negros com destino para as Colonias francezas, onde a escravidão foi abolida, é verdade; mas a sua presença em um ponto defezo, a falta de contratos de engajamento e as declarações dos negros interrogados, todas essas circumstancias entram na categoria dos factos previstos pelas Leis repressivas do trafico, e o Governador, a quem não compete a interpretação da Lei, não podia deixar de submetter a questão aos Tribunaes, que se occupam ainda d'ella[1].

  1. Documentos relativos ao apresamento, etc., da barca francesa «Charles et Georges», etc. apresentados ás Côrtcs na sessão de 1858, p. 207.