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absoluto que vede ao Enviado o uso da discrição; pelo contrario bom é que seja governado por ella.

Fazer communicações ociosas e inuteis, não lhe é exigido; nem se recebem com agrado. Do que valer a pena referir seja elle o juiz competente. Ha cousas triviaes que prendem com negocios de vulto; isso é materia sujeita ao seu discernimento. Bernardo Navagero, experimentado negociador Veneziano, observa, n'um seu Relatorio de 1558, que tres são os predicados essenciaes n'um Embaixador: bom juizo, que requer penetração; saber negociar, que pede dextresa ; e boa arte em dar conta, dizendo sómente o que seja necessario e de proveito[1].

Pode até dar-se o caso excepcional de parecer judicioso ao Enviado occultar um facto ou uma circumstancia qualquer. Montaigne, a proposito do que se passara n'um consistorio de Roma (no qual, em presença dos dous Embaixadores de Francisco I, o imperador Carlos Quinto fallára mal dos Francezes, desafiando o proprio Rei a combate singular, embarcados ambos, em camisa, no meio do rio), estranha que os ditos Embaixadores dissimulassem nos seus officios, muito do que ali se dissera, occultando mesmo os dous citados factos; e n'isto talvez tivesse Montaigne rasão. Mas, depois de motivar a sua censura no caso sujeito, o proprio Montaigne conclue reconhecendo, em these, que os embaixadores precisam de certa liberdade para o bom

desempenho do cargo, que lhes não póde ser telhado d'antemão em todos os seus pormenores; e accrescenta: «ils n’exécutent pas simplement, mais forment aussi et dressent par leur conseil la volonté du maître[2]».

  1. Ranke, Append. N.° 30.
  2. Essais, L.I c. 16. — Quanto ao facto passado em consistorio, tambem a elle se refere Brantome, Des Hommes, Part. Il § 52 (Le Grand Roy François).