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não póde proceder do mesmo modo com o individuo de temperamento frio, e aquelle cujo natural é impulsivo; com o homem sincero e o homem falso. De caracteres d'este ultimo toque, tem-se não raro tirado partido enganando-os com a propria verdade, por uma audaciosa fraqueza, arma de que tem sabido servir-se com proveito dous Homens de Estado da actualidade bem conhecidos, e de grande peso nos conselhos da alta politica Europêa. Ha homens que, por seu genio singular, acolheriam mal uma suggestão ou expediente, os quaes pelo contrario se tornariam brandos, quando, por insinuações e gradualmente, os levassemos ao ponto de serem elles mesmos os íniciadores apparentes.

Isto não se oppõe a que nos mantenhamos no caracter que nos é proprio c natural, que, como no capitulo precedente se observou, da melhor fructo do que violental-o, assumindo apparencias alem dos nossos dotes e recursos. As differenças nas indoles individuaes modificam o aspecto de uma qualidade possuída em commum por duas ou mais pessoas, sem comtudo alterar o seu valor e virtude.

O Conde de Lavradio, e o Conde de Seisal, eram ambos sinceros e prudentes no manejo dos negocios; mas a sinceridade do primeiro era suave e insinuante; ao passo que no segundo, era um tanto brusca, com quanto ligada a esmerada cortesia. Ambos porém deram boa conta de si, sendo tambem muito bemquistos e respeitados nas Côrtes onde residiram.

A singelesa do homem sincero nada tem de commum com a credulidade; e os mais sinceros podem ser os mais prudentes no acreditar. Lord Bacon, no primeiro livro da sua obra sobre o adiantamento da Sabedoria (De Augmentis Scientiamum), ao tratar da fraude e da credulidade, observa mui bem que o credulo é também enganador; porquanto