II
Os mancebos baptizados em pequenos em Piratininga, como não estavam sujeitos quando cresciam, e outros indios christãos viuvos, tomavam moças gentias ou christãs, e as tinham em seus lanços como mulheres, com filhos, sem nota alguma, e a estas taes lhes costumavam chamar os outros a mulher de N., sabendo muito bem que o não eram por serem elles christãos, e não as terem recebido na igreja ; e se alguns destes mancebos se ia ao sertão, e lá se amancebava (como muitos faziam), diziam os pais: « Já N. tem mulher no sertão,» usando todos estes do nome de Temirecó.
Temirecó chamam ás contrarias que tomam na guerra, com as quaes se amancebam, e ainda que sejam christãs, como eram muitas escravas dos portuguezes, que tomavam os Tamoyos em saltos, e as mesmas mestiças filhas dos portuguezes, as quaes tinham por mulheres como as suas proprias de sua nação.
Temericó chamavam ás indias mancebas dos portuguezes, e com este titulo lh’as davam antigamente os pais e irmãos quando iam a resgatar ás suas terras. como os Tamoyos e Termiminôs do Rio de Janeiro e do Espirito Santo, os Tupis de S. Vicente, os Tupinambás da Bahia, e finalmente todos da costa e sertão do Brasil, dizendo-lhes : « Leva esta para tua mulher, » com saberem que muitos daquelles portuguezes eram casados ; e ainda que os portuguezes as tinham por mancebas, comtudo as tinham de praça nas aldêas dos indios, ou fóra dellas, com mulher, filhos e filhas, porque para os indios não era isto pejo nem vergonha, e lhes chamavam Temericó e mulher de N., e a elles genros, e os portuguezes aos pais e mãis dellas sogros e sogras, e aos irmãos cunhados, e lhes davam resgates, ferramentas, roupas, etc., como a taes, como os indios a que chamam genros lhes vão a roçar ou pescar algumas vezes, por onde não parece serem estes sufficientes signaes de matrimonio nem de parte dos que se amancebam com ellas, nem dos pais ou irmãos que lh’as dão.
O nome de Temirecó etê, sc. Uxor vera, creio que o tomaram dos padres, que lhes queriam dar & entender a perpetuidade do matrimonio, e qual é mulher legitima, porque deste vocabulo ctê, que quer dizer legitimo, usam elles nas cousas naturaes da sua terra, e assim a seu vinho chamam cãoy etê, vinho legitimo verdadeiro, á differença do nosso a que chamam cãoy áyà, vinho agro. A suas antas chamam tapiîreté, verdadeira, e as nossas vaccas á sua semelhança chamam tapyruçú, vaccas grandes, etc. Mas na materia de parentesco nunca usam deste vocabulo eté ; porque, chamando pais aos irmãos de seus pais, e filhos aos filhos de seus irmãos, e irmãos aos filhos dos tios irmãos dos pais, para declararem quem é seu pai, ou filho verdadeiro, etc., nunca dizem xerúbetê, meu pai verdadeiro, senão xerùba xemonhangára, meu pai qui me genuit, e ao filho xeratra xeremimonhanga, meu filho quem genui ; e assim nunca ouvi a indio chamar á sua mulher xeremirecô etê, senão xeremirecô (simpliciter) ou xeraicig, mãi de meus filhos ; nem a mulher ao marido xemeneté, maritus verus, senão xemêna (simpliciter) ou xemembîra rûba, pai de meus filhos, do qual tanto usam para o marido como para o barregão ; e se alguma hora o marido chamar alguma de suas mulheres xeremirecô etê, quer dizer—minha mulher mais estimada ou mais querida—a qual muitas vezes é a ultima que tomou, porque etê tambem quer dizer fino ou estimado, como caâ etê, mato fino, de boa madeira, igbíra eté, páo fino, rijo, etc.
(Revista do Instituto.)
POESIA
A Caipora
E’ caboclinho feio,
Alta noite na mata a assoviar ;
Quando alguem o encontra nas estradas
Saltando encruzilhadas,
Se põe a esconjurar !
E’ alma de um Tapuio
Fazendo diabruras no sertão...
Cavalgando o queixada mais bravio,
Transpõe valles e rio
Com um cachimbo na mão !
Assombro das manadas,
Enreda a onça em moitas de cipó ;
De montanha em montanha vai pulando,
Vai quasi que voando,
Suspenso n’um pé só !
Ao pobre viandante
Assombra e ataca em meio do caminho ;
E pede fumo e fogo, e sem demora
Lhe mostra a Caipora
Seu negro cachimbinho.
Servido no que pede,
A contas justas, safa-se a correr...
Do contrario, se fica descontente,
De cocegas a gente
Faz rir até morrer.
E’ caboclinho feio,
Alta noite na mata a assoviar ;
No norte, diz o povo convencido :
— Não indo prevenido
Não é bom viajar !