linha dos pais, porque entre os indios se tem isto por muito estranho.
Os que têm muitas mulheres, a que chamam temirecô, não é possível saber-se com qual dellas se juntaram com animo marital, porque nem elles entendem quanto importa fallar nisto verdade, nem o sabem dizer realmente, porque para com todas tiveram o mesmo animo. E muitas vezes querem mais á segunda, terceira. quarta, e ainda á ultima, que ás outras, e por serem ou mais moça, ou mais fecundas, ou filhas de principaes. E não ha certeza para que cæteris paribus se haja de presumir em favor da primeira, antes muitas vezes nestas ha menos duvida e mais probabilidade que não tiveram animo de se obrigar a ellas ; porque, como então são mancebas, ás vezes tomam alguma velha de que não esperam ter filhos, porque não acham outra, somente para que lhes faça de comer, porque se acertam de não terem mãi ou irmãs, que tenham cuidado delles, são coitados, e contentam-se por então com qualquer velha, com que estão bem agazalhados, sempre com olho em tomarem outras de que tenham filhos, como depois fazem, ou deixando a primeira, ou retendo-a, se ella quer, para o effeito sobredito ; e como entre os indios ha muito poucas mulheres meretrizes e devassas, e a carne aperta com os moços, tomam qualquer que acham, ou velha ou moça, ainda que não seja muito a seu gosto, porque por então não podem mais, esperando e tendo quasi por certo que terão depois outras, como acontece principalmente se são valentes nas guerras ou filhos de grandes principaes, porque então os pais lhes dão as filhas, e os irmãos as irmãs, e a estas se affeiçoam mais que á primeira, a qual parece que não tomaram senão ad tempus, nem têm animo de se obrigar a ellas, nem ellas a elles, porque já ellas sabem que elles hão de tomar outras quando acharem occasião e as hão de deixar.
Dos que têm uma só mulher de que houveram filhos, com a qual perseveraram até a velhice, pôde haver mais duvida, porque parece .que estes têm differente affeição e animo marital, não porque ao principio o tivessem tal, porque todos se juntam com ellas de uma mesma maneira, e também estes, como todos os outros, in preparatione animi têm muitas, e se as não tomaram, foi não por se terem por obrigados áquellas, senão porque honyeram filhos dellas, e os serviram bem, e lhes foram leaes, e nao tiveram poder para ter outras; porque a estes mesmos acontece no cabo da vida tomarem outra moça, quando a acham, maxime sendo elles principaes; mas se não têm tomado outra pela amizade e conversação de longo tempo com as primeiras, lhes vêm a tomar este amor. E quando os querem baptizar dizem que áquellas tiveram de pequenas, e com ellas cresceram, e que as não hão de deixar : e o mesmo dizem outros, poste que sejam mancebos ao tempo do baptismo, porque se acham já com aquella e lhe querem bem, porque não tiveram outra nem ao presente tem poder para a achar ; e se acertaram de vir a poder dos portuguezes, têm medo que lh’as tomem seus senhores, e elles se fiquem sem mulher; mas se lhes dão alguma mais geitosa, facilmente deixam a primeira; e assim acontece não raro que estes mesmos se ao tempo do baptismo têm tomado alguma de novo, ou algum principal lhe quer dar alguma filha ou irmã, facilmente deixam a outra, e não querem casar senão com a derradeira. E as outras ou se ficam assim, se são velhas e têm filhos, ou se casam cora outros ( como se disse ao principio ) sem muito sentimento.
(Revista do Instituto.)
Uyáras
Travesso menino,
Do fundo das águas
Que em flocos se ameigam dos juncos ao pé,
A’s vezes s’escuta na gueixa do rio
Um canto macio.
De quem.... não se vê.
O canto se estende ; mais doce que as moitas
Que dormem silentes ás luzes do céo.
Se acaso o barqueiro que vai na jangada
Lhe escuta a toada,
Meu Deos, se perdeu !
Travesso menino,
Não sabes ainda ?
Alli as Uyáras se occultam reveis...
São ellas as moças que vivem cantando,
Crianças roubando,
São moças cruéis!
São alvas, mais alvas que o dente das antas,
Mais louras que a pelle das onças... são bellas!
Se alguém as descobre na molle corrente,
Lá some-se a gente,
Lá somem-se ellas!
Nas noites de lua resvalam fugaces,
Quaes nevoas douradas, nas águas azues !
E ao collo suspenso nas ondas bem mansas
Enroscam-se as trancas
Quaes serpes de luz.
E ellas entoam cantigas tão meigas
Que o echo dos valles acorda veloz ..
Mas foge, menino, de ouvires das fadas
Gentis, encantadas,
Um hymno, uma voz!
—« Eu tenho aqui mil palácios
Todos feitos de coraes,
Seus tectos são mais formosos
Que a coma dos palmeiraes.
Infante que vais no monte,
Deixa o teu pouso d′além ;
Eu sei historias bonitas...
Vem!