— 10 —

ra não morrer não é crime, mas isto só em ultimo caso, você comprehende.

— "Comprehendo, comprehendo, respondeu-me distrahidamente como quem lá segue os volteios duma ideia secreta e, depois de longa pausa,

— "Seja o que Deus quizer" — murmurou entre si, recahindo em scismas.


Deixei-me ficar á janella a ver cahir a tarde. Nada mais triste do que uma ave-maria no ermo. A tréva espessára as aguas e absorvia no céo os derradeiros palores da luz. No poente, um leque aluarado vermelhava nas varetas, com dedadas sangrentas de nuvens a barral-o de listrões horizonaes. Triste... A ardosia do mar, as primeiras estrellinhas entreluzindo a medo, o marulho na pedra, "tchá", "tchá", compassado, eterno... A alma confrangeu-se-me de angustia. Vi-me naufrago, retido para sempre n'um navio de pedra, grudado como desconforme craca na pedranceira da ilhota. E pela primeira vez na vida senti profundas saudades dessa coisa sordida a mais reles de quantas inventou a civilisação, o "café", com o seu tumulto, a sua poeira, o seu bafio a tabaco e a sua freguezia habitual de vagabundissimos "agentes de negocios"


Correram dias. Minto. No vazio daquele dissaborido viver no ermo o tempo não corria — arrastava-se com a lentidão da lesma por sobre o chão liso e sem fim.

Gerebita tornara-se enfadonho. Não mais narrava pinturescos incidentes da sua vida de marujo. Afferrado á idéa fixa da loucura do Cabrea, só cuidava em demonstrar-me os progressos della. Fóra desse thema sinistro sua