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Soube d’estes selvagens, que duas razões os levam a cortar assim seos corpos, uma significa o pesar e o sentimento, que tem pela morte de seos paes, assassinados pelos seos inimigos, e outra representa o protesto de vingança, que contra estes promettem elles, como valentes e fortes, parecendo quererem dizer por estes córtes dolorosos, que não pouparam nem seo sangue e nem sua vida para vingal-os, e na verdade quanto mais estigmatisados mais valentes e corajosos são reputados, no que tambem são imitados pelas mulheres de iguaes qualidades.

Para mostrar a origem anterior d’este costume, não necessito remontar-me ás historias profanas, no que seria prolixo, e sim contentar-me-hei fazendo vêr em diversos trechos das escripturas sanctas quanto Deos reprova este uso barbaro e selvagem. No Levitico 19. Super mortuo non incidetis carnem vestram, nec figuras aliquas, aut stigmatas facietis vobis. Sobre a vossa carne não fareis incisões, figuras ou signaes. No cap. 21. Necque in carnibus suis facient incisuras: e não farão incisões na sua carne. No Deut. 14. Non vos incidetis, necfacietis calvitiem super mortuo. No morto não fareis incisões e nem cortareis os cabellos.

Á respeito d’estas passagens interpretam os Padres, como fazem os gentios e os idolatras, e de maneira notavel este trecho — não fareis incisões e nem cortareis os cabellos, por que se vêem juntas estas duas coisas, que os indios sempre separam restrictamente: quanto á incisão, já sabeis o que ella significa, mas quanto ao arrancamento do cabello ficae sabendo, que apenas as mulheres e as moças sabem do captiveiro ou morte na guerra dos seos Paes ou maridos, cortam os cabellos, gritam e lamentam-se horrivelmente, excitando seos similhantes á vingança, á tomar as armas e a perseguir seos inimigos, como farei vêr quando narrar a Historia dos Tremembeses.

Dos escravos, que me deram n’aquelle paiz para trabalharem á bem da minha subsistencia soube da maneira como faziam prisioneiros e escravos.