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Houve muita difficuldade em salval-o apezar da prohibição de não se comerem os escravos, e si não se empregassem ameaças, elle seria devorado pelas velhas.

Si acontece morrerem de molestias estes escravos, sendo assim privados do leito de honra, isto é, de serem mortos e comidos publicamente, um pouco antes do seo fallecimento levam-nos para o matto, lá partem-lhe a cabeça, espalham o cerebro, e deixam o corpo insepulto e entregue a certas aves grandes, similhantes aos nossos corvos, que comem os enforcados e os rodados.

Quando são achados mortos em seos leitos, atiram-nos em terra, arrastam-nos pelos pés até o matto, onde lhes racham a cabeça, como acima disse, o que ja não se pratica na Ilha e nem em suas circumvisinhanças, senão raras vezes e occultamente.

Gozam tambem de muitos privilegios, que os levam a residir voluntariamente entre os Tupinambás, sem desejar fugir, considerando seos senhores e senhoras como paes e mães, pela docilidade com que os tratam cumprindo assim seo dever; não ralham com elles e nem os offendem, não os espancam, desculpam-nos em muita coisa contanto que não offenda os seos costumes: são muito compadecidos, e chegam a chorar quando os francezes tratam os seos com aspereza, e si outros se lastimam do procedimento dos francezes prestam-lhe todo o credito ao que dizem.

Quando fogem dos francezes elles os occultam, levam-lhes o sustento nos mattos, vão vesital-os, as raparigas vão dormir com elles, contam-lhes o que se passa, aconselham-nos sobre o que devem fazer, e de tal sorte que é muito difficil agarral-os, embora vão atraz d’elles uns vinte homens, e isto não fazem para com os escravos dos seos similhantes.

Vem a proposito o contar que um dia perguntei a um dos escravos, que tinha em meu poder, si não estava satisfeito vivendo commigo, não só porque lhe ensinei a temer a Deos, como tambem pela certesa, que tinha, de não ser comido,